Já se passaram dois anos da primeira tentativa, a seguradora estatal não saiu do papel e se o PAC anda devagar ou se as obras das arenas, dos aeroportos e de mobilidade urbana não cumprem o cronograma da Fifa ou do COI, não é por falta de seguro. Como não falta seguro para as grandes hidrelétricas como Belo Monte e Girau. O setor privado vem respondendo com muita competência a toda a demanda existente e chama a atenção que a ideia surja justamente depois de uma lenta e gradual desregulamentação do mercado, que começou no início dos anos noventa e se consolidou no Governo Lula com a quebra do monopólio estatal do resseguro. E no momento em que grandes resseguradoras internacionais, percebendo a possibilidade de expandir seus negócios, decidem se instalar aqui, aumentando a oferta e a concorrência o que, com certeza, vai se refletir nas taxas dos seguros.
Se, de lá para cá, não mudou a ideologia de quem nos governa, o que mudou, então? A medida atual significa um retrocesso no processo de modernização da economia brasileira que nos colocou no patamar dos países desenvolvidos. Uma das características mais extraordinárias do mercado de seguros é a sua capacidade de diluir riscos entre os agentes do sistema tanto dentro do próprio País como no exterior, através do resseguro. E em seus artigos, parágrafos e incisos que trata da “Agência Brasileira de Garantia de Riscos” (uma espécie de “Segurobras”), a Medida Provisória vai muito além da proposta de atuar quando o mercado não suportar a demanda. Estabelece que o Conselho Nacional de Seguros Privados CNSP órgão regulador do mercado, pode liberar a seguradora estatal de algumas exigências comuns a todas as empresas privadas, como margem de solvência, por exemplo, e que ela pode oferecer o seguro aos interessados sempre que as condições ou as taxas do mercado forem superiores às suas. É um dispositivo estranho porque isso só vai acontecer se a avaliação do risco pela seguradora estatal seguir outros parâmetros que não os critérios técnicos praticados em todo o mundo.
Não há razões técnicas, não há falta de capacidade nem de competência para que se duvide que o setor privado possa suportar os desafios de um crescimento mais acelerado. Nem a crise financeira atual, como nem a passada, justificam a criação de mecanismos dessa natureza para nos proteger. Os fundamentos da economia brasileira têm-se comportado muito bem e a solidez de seus bancos e seguradoras não sofreram qualquer abalo diante das recentes crises internacionais. O que cabe ao Poder público em relação ao mercado de seguros - e o Brasil tem feito com muita eficácia através da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) - é manter um forte esquema de normatização e fiscalização. As seguradoras que operam no Brasil sempre conseguiram atender a demanda como provam os números de seu desempenho. E nos últimos anos aumentou exponencialmente a sua participação no PIB, ou seja, cresceu bem mais que o conjunto de todos os segmentos.
A quem interessa a criação de uma seguradora estatal? Se não fez falta há dois anos, faz falta agora? De quem será essa obsessão que faz ressurgir duas vezes e em dois governos diferentes se bem que do mesmo partido a mesma proposta? Ao País e à sociedade brasileira certamente não. Aos burocratas e afins que, por mérito ou influência política, vivem à sombra das benesses dos impostos que os cidadãos pagam? Talvez. É muito provável, porém, que interessem e muito a grandes corporações que, com sua capacidade de garantir contratos esgotada ou no limite, esperam que uma seguradora estatal não precise ser tão rigorosa na análise de riscos e aprovem propostas que o setor privado, por razões técnicas, não recomenda aceitar. É bom lembrar que se acontecer algum problema, que os profissionais de seguro chamam de sinistro, quem vai pagar a conta, como já aconteceu no passado com uma operação de um bilhão de dólares feita pelo ressegurador estatal brasileiro, será, mais uma vez, a sociedade brasileira.
João Elisio Ferraz de Campos
Empresário, Presidente do Conselho de Administração da Centauro Vida e Previdência e ex-governador do Paraná.