Alfinetadas de uma costureira - Thalita Rebouças

Fonte: Blog da Thalita Rebouças, em 21/04/2014

Thalita Rebouças é uma jornalista e escritora brasileiraEm São Paulo por conta de um evento, precisei fazer um ajuste no vestido que usaria à noite, num jantar com amigos. Fui a uma costureira a jato recomendada pelo hotel. Enquanto ela marcava a bainha, comentou:

- O seu rosto não me é estranho. Você não é aquela menina…

- Obrigada pelo ‘menina’.

A gentil costureira sorriu e prosseguiu:

- Aquela menina que escreve e faz programa?

- Bruna Surfistinha?

Ah! Não resisti.

- Não! Escreve para adolescentes e faz programa de televisão. Aquele Bola Redonda.

- Bolsa Redonda!

- Isso! No Globo Esporte!

- Esporte Espetacular.

- Isso! Isso! - vibrou antes de decretar: - Você é tão diferente na televisão!

Ô-ou…

Sempre morro de medo de “diferente”. Mas ok, não podia deixar o assunto esgotar, ela estava visivelmente doida pra levar o papo adiante.

- Diferente como?

- Ah… Diferente.

Diferente ponto. Ou seja, era bem diferente mesmo. Sei que ela queria falar mas estava um pouco encabulada. Anos de terapia me fizeram entender um pouco melhor a mente humana. Instiguei:

- Diferente bom ou diferente ruim?

- Diferente diferente.

Fiz a pergunta que não queria calar.

- Diferente gorda?

- Isso! Diferente G-O-R-D-A! - exclamou, felicíssima. - G-O-R-D-A! - repetiu para enfatizar. - É isso que você é na televisão: GOR-DA! - disse mais uma vez. Não custava dar mais uma frisadinha, né?

Se eu fosse diferente Angelina Jolie duvido que ela demonstrasse tamanha empolgação.

Fiquei muda.

Tudo bem, ela preencheu o silêncio por mim.

- E você é tão miúda, braço fininho, cinturinha… Como é que pode, meu Deus? Tevê engorda mesmo!

- Mas eu fico muito gorda?

- Fica.

Nada contra ser gorda, mas há uns anos entrei de cabeça na corrida, no treino funcional e na boa alimentação e nunca pesei tão pouco!

- E dizem que lá no Rio é melhor ser ladrão do que gordo hoje em dia, né?

- Que absurdo! Se a pessoa estiver saudável e feliz, qual o problema de uns quilos a mais? - rebati.

- Nenhum problema. Mas é que você é magra na vida real e na tevê parece uma troglodita de academia, dessas que tomam bomba, sabe?

- Ah, não pareço mesmo!

- Parece sim. Sabe Mulher Fruta?

- Sei.

- É você no vídeo.

Estava piorando! Mulher Fruta? Eu?

- Você fica com bração, pernão, bundão.

Tive vontade de saber como ela repara na minha bunda se passo o quadro inteiro sentada. Resolvi perguntar outra coisa.

- Vem cá: eu fico gorda ou Mulher Fruta?

- Fica mulherão. Toda grande. Parece altíssima!

- Mulherão é diferente de mulher fruta, que é diferente de gorda. A senhora está me confundindo.

- Ai, meu Deus, como é que vou dizer? Você não me leva a mal, mas acho você… você é feia na televisão. Pronto, falei, não aguentei, sou sincera.

Ah, tá.

- Independentemente do corpo, sua cara no vídeo não faz jus a você - alfinetou. - Fica feia mesmo. Cara de travesti pobre, sabe?

- Não, não sei - disse. - A senhora consegue me entregar o vestido até as sete? - consegui mudar de assunto. Ufa!

- Claro.

Na saída, depois que paguei, a costureira arrematou:

- Você está tão calada… Ficou chateada comigo? Não fica!

- Imagina! Nada chateada.

É sempre uma delícia ouvir que sou feia, quis acrescentar.

Mas não acrescentei. Preferi elogiar a rapidez do serviço e sair logo dali.

- Muito bom contar com um serviç…

- Não perde seu tempo se preocupando com o que eu falei, o problema no Bola Redonda não é você - cortou ela. - É a comparação.

Gente! A mulher não parava! Alguém podia cerzir a boca daquela tagarela!

- Comparação?

- É! A gente vê você e compara com as outras três, aí ferrou! Elas são tão bonitas e tão elegantes… Você some do lado delas.

Feia, grande, cafona e apagada. Costureira bacana.

O vestido chegou na hora marcada ao hotel. Pelo menos isso.

Já de volta ao Rio, no elevador do meu prédio, uma vizinha entra e pergunta:

- Você é a Thalita? Nossa! Tão mais magra e tão mais novinha do que a gente vê nas fotos!

Nem sei que fotos, mas lavou minha alma.

Por mais clichê que isso pareça, se você está feliz e se sentindo bem, não importa a opinião dos outros.

Mas cara de travesti pobre tem a sua mãe!


Saiba mais sobre Thalita Rebouças em www.thalitareboucas.net

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