Cineasta, produtora, economista e empresária - Monique Gardenberg

Fonte: www.valor.com.br/cultura, por Tom Cardoso, em 01/06/2018

Monique GardenbergOdair José, Gilliard, Reginaldo Rossi, Waldick Soriano, Márcio Greyck, Fernando Mendes e Paulo Sérgio. Mestres do cancioneiro romântico brasileiro, o suprassumo da dor e da melancolia. Era de imaginar que alguém
que passasse um mês ouvindo a discografia desses compositores saísse da imersão no mínimo amargurado. Ou que cortasse os pulsos.

A cineasta, produtora, economista e empresária Monique Gardenberg, de 59 anos, uma fazedora por excelência, preferiu rodar um longa-metragem. A despeito de toda a carga emocional envolvida, o thriller melodramático "Paraíso Perdido", em cartaz nos cinemas desde ontem, no fim das contas é um libelo contra a intolerância, um filme sobre a felicidade.

"O filme também é uma homenagem a esse gênero que muita gente gosta de chamar pejorativamente de 'brega', mas que é de uma qualidade e força dramática impressionantes", afirma a diretora.

Levando no título o nome da imaginária boate onde se passa a trama, um "bunker" do afeto imune à brutalidade reinante, "Paraíso Perdido" é um filme-manifesto sem ser panfletário, sutil e ao mesmo tempo brutal, como são os trabalhos de Monique. Fazia dez anos que ela não filmava. Seu último longa, "Ó Pai, Ó" (2007), um drama travestido de comédia, subvertia os estereótipos baianos para denunciar o extermínio de meninos de rua.

A diretora conta neste "À Mesa com o Valor", no restaurante argentino La Frontera, no bairro paulistano de Higienópolis, que sentia necessidade de fazer algo autoral como o seu longa de estreia, "Jenipapo" (1996). Os outros filmes, "Ó Pai, Ó" (inspirado no livro "Bye Bye Pelô", de Márcio Meirelles) e "Benjamim" (2003, filmado a partir do romance homônimo de Chico Buarque), tinham traços autorais em muitos sentidos, mas eram adaptações.

Na trama do novo filme de Monique, o dono da boate Paraíso Perdido, localizado no centro de São Paulo, o patriarca José (Erasmo Carlos, em atuação segura) faz de tudo para garantir a felicidade de seu clã: os filhos Ângelo (Júlio Andrade) e Eva (Hermila Guedes), o filho adotivo Teylor (Seu Jorge) e os netos Celeste (Julia Konrad) e Imã (Jaloo).

A família unida busca forças para lidar com seus dramas cantando clássicos da música popular romântica, o que atrai a curiosidade do misterioso Odair (Lee Taylor), policial que cuida da mãe surda, uma ex-cantora (Malu Galli). A todo momento essa família é testada, colocada em situações adversas, e só sobrevive ao turbilhão por cultivar um amor mútuo e incondicional. "Quando se tem amor, se sobrevive, apesar de tudo. O filme trata disso", diz a diretora.

Enquanto Monique fala sobre o filme, o amor e suas sutilezas, ouve-se um grito no restaurante. Um homem corpulento, com quase 1,90m de altura, posiciona-se no meio do salão e fala gritando, tumultuando o local. Diz que precisa de dinheiro, que as pessoas precisam ajudá-lo. O homem resiste a sair do restaurante, movimentando os braços. Copos e pratos no balcão são quebrados. As pessoas assistem à cena assustadas, mudas, esperando um desfecho, que se mostra cada vez mais complicado. Forte, o homem praticamente não sai do lugar. Monique puxa uma nota de R$ 50 da carteira, levada pelo repórter até o homem, que então deixa o restaurante.

Após alguns instantes de silêncio a conversa é retomada. Antes deste almoço, Monique teve uma reunião na sede de uma grande empresa. Quem estava ali não era a cineasta, e sim a sócia-proprietária da Dueto Produções, uma das produtoras de cultura e entretenimento mais bem-sucedidas do país, responsável por eventos icônicos como Free Jazz Festival, Carlton Dance Festival, Tim Festival e BMW Jazz Festival. A empresa, criada no começo dos anos 80, também foi precursora na
produção de grandes turnês no Brasil, trazendo estrelas como Madonna, Rolling Stones e Elton John, numa época em que o país estava fora da rota dos megasshows internacionais.

"Estou muito feliz. Acabei de fechar uma parceria com uma empresa para a criação de outro grande evento. Não posso dizer nada ainda, por causa da concorrência, mas adianto que é relacionado a música."
No meio da década de 90, a Dueto diversificou suas atividades para atender a demanda imposta pela própria fundadora. A empresa, que tem um braço para projetos audiovisuais (Dueto Filmes), propiciou à diretora de "Paraíso Perdido" muito mais do que conforto financeiro. Permitiu que Monique, até então uma produtora inquieta, pudesse deixar um pouco de zelar pelo trabalho de outros artistas para passar a cuidar também de si mesma, dando vazão aos seus anseios criativos - a talentosa mão como diretora acelerou essa transição.

Monique pede um dos pratos do dia, penne com chorizzo espanhol e mozarela de búfala. "Nunca fui movida por dinheiro. Só por sonhos. A minha decisão de fazer cinema passa por aí", diz. Para entender como se deu essa transição, aparentemente feita sem sobressaltos, é preciso retroceder à metade do século passado, mais precisamente à Segunda Guerra Mundial (1939-1945). É o período em que o avô de Monique, Salomão Gardenberg, um líder comunista polonês, chegou ao Brasil, em 1944, fugido da guerra e financiado pelo Partido Comunista.

A diretora começou a entender melhor a personalidade do pai, Abram Gardenberg, "uma figura de Dostoiévski", enquanto fazia pesquisas para um novo filme. Compreendeu que sua vida de jogador tinha relação direta com seus primeiros anos, vividos sob o horror do Holocausto. O longa "As Mensageiras", ainda não rodado, vai narrar a história de um grupo de meninas heroínas em Varsóvia, cidade onde nasceram o pai e os avós de Monique.

"Quando meu avô deixou a Polônia para viver em vários países, sendo perseguido até chegar ao Brasil, meu pai era um bebê ainda, tinha apenas 2 anos. Estudos mostram que ninguém passa psicologicamente impune ao horror da guerra, sobretudo na primeira infância", diz Monique. "O meu pai era um homem charmoso, encantador, com uma lábia incrível, mas o vício pelo jogo tem relação direta com esse passado."

Abram, que trabalhou como comerciante e em um banco de investimentos, chegou a ganhar pequenas quantias na loteria esportiva diversas vezes, mas Monique nunca soube em que outra modalidade ele jogava. "Ele era supercarinhoso, ganhava dinheiro no jogo e nos entupia de presentes", lembra.

O destino profissional da diretora tem conexão com essa alma do pai, que morreu em 2001. Ela e os irmãos, Sylvia e André, nasceram em Salvador, na Bahia, mas foram criados em Santos, no litoral paulista. Quando Abram teve de deixar a cidade, por causa de sua relação com o jogo, dessa vez para morar no Recife, sua mulher, Sonia Gardenberg, recusou-se a acompanhá-lo na jornada. As três crianças foram morar na casa de parentes em Salvador, enquanto a mãe reconstruiu a vida no Rio. Quando tudo se ajeitou, os filhos voltaram a morar com Sonia.

Monique tinha 17 anos quando se mudou para o Rio, em 1976. "Minha mãe era uma mulher pragmática, de muita força, em nenhum momento ficou se lamentando, demonizando meu pai. Sua prioridade era tocar a vida pela frente", diz. Trabalhando como secretária-executiva, Sonia tratou logo de arrumar uma bolsa para que as filhas fizessem um curso de secretária bilíngue, grande diferencial na época. Isso permitiu a Monique conseguir um emprego no Hotel Meridien. "Fui ser secretária do diretor de habitações. Aprendi a me organizar, a ter um senso de agenda muito grande. Uma experiência determinante e que municia as minhas decisões como diretora e produtora até hoje."

A escolha para cursar economia na UFRJ parecia, na cabeça da menina que sonhava em ser atriz, o caminho mais curto para dar um pouco de conforto financeiro à mãe, que dava duro sozinha para criar os três filhos. Monique nem imaginava que estava dando o primeiro passo para o nascimento da Dueto Produções. O Brasil vivia o processo de abertura política, e o centro acadêmico fervia. Monique aproximou-se da militância estudantil, e quando alguém precisou de uma pessoa para produzir e organizar shows-manifestos, a eficiente secretária-executiva mostrou como fazer. Primeiro levou artistas do Baixo Leblon para cantar na faculdade: Gonzaguinha, Fagner, Moraes Moreira, Geraldo Azevedo. Também participou da coordenação dos shows do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, liderados por Chico Buarque, e conseguiu reativar o lendário Teatro de Arena, fechado desde 1972.

Artistas começaram a procurá-la para produzir shows: Milton Nascimento e, depois, Djavan, que a contratou como empresária. O cantor alagoano, já fazendo sucesso, criou uma demanda de trabalho enorme. "Eu não tinha empresa, não tinha nada. Foi aí que chamei a Sylvia, minha irmã, na época trabalhando na gravadora Ariola, para trabalhar comigo." Fundaram a Dueto Produções em 1982. A produtora deslanchou. Vieram os grandes festivais de música e os shows com grandes estrelas da música internacional. Monique especializou-se em "briefing problema", como ela mesma diz.

O garçom serve o chorizzo com mozarela de búfala. "Eu adoro desafios. Quando uma empresa chega para mim e diz que precisa urgentemente rejuvenescer sua marca, mas que não tem a mínima ideia de como fazer isso, meu grande prazer está em achar a solução. E se for fazendo cultura de alta qualidade, melhor ainda." Foi assim que nasceu, por exemplo, o Free Jazz (1985 a 2001) e as nove edições do Carlton Dance Festival. Monique lamenta que marcas de cigarro não possam mais patrocinar eventos culturais, medida tomada durante a gestão de José Serra como ministro da Saúde (1998-2002) do governo Fernando Henrique Cardoso.

"O Serra frequentava o Free Jazz. As marcas continuam aí, mas agora não dão nada de volta para a sociedade. Antes, patrocinavam eventos que se tornaram referência na área de cultura e entretenimento."

Quase não há registros de fotos ou vídeos da produtora ciceroneando nomes como Madonna e Rolling Stones nas passagens pelo Brasil. O estilo "low profile" rendeu algumas lendas, como a de que Monique exige em contrato não estar presente nos bastidores dos shows. "Não é bem isso. Eu tenho uma equipe, confio nela, sei delegar", diz. "Não sou babá de artista, ninguém deve ser. Só me aproximo de artistas que me fascinam, como Pina Bausch [1940-2009] e Philip Glass."

O sucesso da Dueto não diminuiu a inquietação de Monique. "Sou uma pessoa ávida por conhecimento e sentia falta de criar coisas para mim. Tanto que sempre dei muito palpite no e no trabalho dos outros, queria colocar minha autoria de alguma forma." Ela lembra de ter levado bronca de Paulinho Albuquerque, produtor musical de Djavan. "Eu dizia: 'Paulinho, eu quero criar! Quero criar!'. E ele, irritado: 'Vai criar o Zico!', que era o cachorro dele."

Monique tanto atormentou que virou parceira oculta de Djavan. Ela procura a música no celular. Acha a letra e começa a cantarolar, baixinho, trechos de "Obi" (1984): "Obi/ Obi, obá/ Que nem zen, czar/ Shalom/ Jerusalém, z'oiseau…". "A palavra 'shalom' foi ideia minha. Ninguém sabe disso. Foi minha contribuição para o cancioneiro brasileiro", brinca.

Monique tratou logo de diminuir sua angústia e, em 1989, aos 31 anos, foi estudar cinema em Nova York. No mesmo ano dirigiu o curta-metragem "Day 67", seguido de outro curta, "Diário Noturno". Os primeiros longas foram exibidos em importantes festivais internacionais, como Sundance, Toronto e Rotterdã. "Ó Pai, Ó" fez tanto sucesso, de público e de crítica, que virou série na Rede Globo.

O teatro também ganhou uma profícua e talentosa diretora, à frente de peças como "Os Sete Afluentes do Rio Ota", de Robert Lepage (2002); "Baque", de Neil Labute (2005); "Um Dia no Verão", de Jon Fosse (2007); e a nova edição do espetáculo "5 X Comédia", em cartaz, e que ganhará uma versão para o cinema, também dirigida por Monique.

Essa fase de transição profissional, que não se deu completamente, pois Monique continua tocando os projetos da Dueto Produções, coincidiu com a morte de sua irmã, Sylvia, em 1998, aos 38 anos, de câncer.

"Éramos como irmãs gêmeas, separadas por um ano e meio de diferença. Minha mãe gostava de vestir a gente com a mesma roupa", diz. "Ela era a minha melhor amiga. Até hoje, quando tenho alguma ideia, surge o ímpeto de ligar para Sylvia. É uma dor que não acaba nunca, mas tive que aprender a viver sem ela", diz Monique, que é casada com o economista Raymond Rebetez.

Sylvia teria orgulho do destino da Dueto e de sua sócia. A produtora, para dar vazão aos surtos criativos da ex-palpiteira empresária de Djavan, tornou-se também efervescente núcleo audiovisual. A Dueto Filmes entrou de cabeça na febre dos serviços de streaming. Já são 12 projetos contratados, sob a gerência da ex-secretária do Hotel Meridien, que hoje só pensa em cinema.

O foco, agora, é o novo filme. O primeiro flash de criação de "Paraíso Perdido" foi dado a partir da audição de um sucesso de Márcio Greyck, "Impossível Acreditar que Perdi Você". "Eu queria fazer algo a partir de um roteiro escrito por mim, como em 'Jenipapo', mas não tinha a menor ideia de por onde começar. Peguei os discos de compositores românticos, os que mais amo, e coloquei para tocar", diz.

No caso de Monique, o processo de audição é um pouco "joãogilbertiano". Ela ouve dezenas de vezes a mesma música, até passar para a próxima. "Sabe aquela lenda de que o gato do João Gilberto pulou da janela, enlouquecido por ouvir sempre a mesma música, por horas? Se eu tivesse um, acho que aconteceria o mesmo", brinca.

Das audições, foram nascendo as construções narrativas. Tanto que em "Paraíso Perdido", a música não funciona apenas como trilha sonora, desconectada do enredo. Ela é mais do que isso: é a condutora da trama, do processo criativo. Os personagens também foram gestados a partir das canções. Quando a imersão chegou ao fim, conta Monique, ela tinha o rascunho de uma história com ingredientes fortes, uma tragédia grega com tudo que tem direito: amor, traição, ódio, vingança, violência. E uma trilha sonora arrebatadora.

No entanto, ela não se sentiu segura. Os personagens foram brotando, e havia uma clara semelhança com a "Odisseia", de Homero. Mas onde a roteirista e diretora, que buscava algo tão autoral, depois de duas adaptações, colocaria o seu DNA? Esse misto de insegurança e ansiedade dissipou-se quando Monique, de férias, conversou sobre as suas angústias com um dos colegas de viagem - e de profissão: o diretor Joel Coen, irmão do também cineasta Ethan Coen, com quem forma a célebre dupla Irmãos Coen, ganhadora de Oscar e responsável por filmes como "Fargo" (1996) e "Onde os Fracos Não Têm Vez" (2007).

Quando Monique começou a contar a Joel como havia se dado todo o processo de criação do roteiro e sua busca por algo mais autoral, em meio a tantas referências e citações, o diretor americano, que já tinha visto "Ó Pai, Ó", a tranquilizou: "Calma, não se preocupe, você estará ali, não tem como não estar". A partir daí, tudo caminhou com mais naturalidade. "Fiquei mais tranquila. No fundo, o que eu mais queria era fazer um filme que refletisse minhas aflições diante da vida e do país, no qual pudesse contribuir, à minha maneira, com a discussão de temas atuais, como o racismo, a violência contra mulher", diz.

Em tempos bicudos, com o recrudescimento da violência e da intolerância, filmar o amor se torna mais do que necessário. Monique, porém, acha que "Paraíso Perdido" é o único de seus filmes que não possui um pano de fundo claramente político. Em "Jenipapo", ela levantava a bandeira da reforma agrária; em "Benjamin", traça um paralelo entre os militares e os grupos de extermínio; em "Ó Pai, Ó", fala sobre a matança de meninos negros e pobres. Em "Paraíso Perdido", carregado de simbolismos, nada é muito explícito. O amor, o fio condutor, está presente metaforicamente na maioria dos diálogos.

Já na porta do restaurante, Monique lembra o episódio de momentos antes deste almoço. "Aquela cena do homem enlouquecido, no meio do restaurante, não lembra um trecho do filme (sueco) 'The Square - A Arte da Discórdia' (que concorreu ao Oscar deste ano)?", observa Monique, pronta para criar, criar e criar.

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