A idealizadora da Rede Mulher Empreendedora - Ana Fontes

Fonte: www.vogue.globo.com, por Renata Gonçalves Piza, em 23/10/2017

Ana Fontes da Rede Mulher Empreendedora.Ana Fontes é uma heroína da vida real, desprovida de capa, dessas que poderiam passar despercebidas, mas que fazem uma verdadeira revolução. Que recriam a própria história, apesar dos pesares, e que instintivamente acabam ajudando a recontar a história de outras tantas mulheres. Outras tantas Anas, Marias, Joanas.

Sua trajetória começa na pequena Igreja Nova, Alagoas, de onde sua família saiu nos anos 1970 fugindo da seca. Sim, retirantes. Sim, gente que se jogou no mundo com a cara e a coragem porque não havia outra alternativa. Não havia o que comer. Chegou a Diadema, na grande São Paulo, aos quatro anos, com mais sete irmãos. Estudou em escola pública a vida inteira. Começou a trabalhar aos 11. Ultrapassou a barreira de diversos preconceitos – ser mulher, ser nordestina, ter uma origem pobre, não falar inglês.

Sem se intimidar, embora obviamente tenha acumulado dores no processo, fez e aconteceu. Virou executiva, com direito a bônus, carro, carteira assinada. Chegou lá, aonde todos diziam que era o lugar certo dentro de uma grande empresa, dentro de um pseudo modelo de sucesso. Mas viu que o mundo corporativo não era a Disney, pelo contrário. Se demitiu. Se reinventou. Compartilhou.

Criou em 2010 a Rede Mulher Empreendedora, plataforma que apoia as mulheres no desenvolvimento de negócios, sem saber muito bem no que ia dar, apenas seguindo o desejo de dividir o conhecimento. Chegou lá. Agora, de verdade.

Conheça sua trajetória:

“Vai e, se der medo, vai com medo mesmo.”

Batente

“Tive uma infância bem dura, todos tínhamos que trabalhar para ajudar em casa. Comecei aos 11, ajudando a tomar conta dos filhos da vizinha, a limpar a casa dela. Com 14, consegui meu primeiro emprego com carteira assinada, em um bazar de Diadema que vendia brinquedos e material escolar. Fiquei tão feliz! Era um emprego temporário, para o fim de ano, mas depois de alguns meses, consegui outro, em uma fábrica de bichos infláveis. Era chão de fábrica mesmo. A gente testava os brinquedos na água pra ver se tinha algum furo, se soltava bolhinha. Um tempo depois, fui promovida a recepcionista, acho que o pessoal me achou ‘ajeitadinha’. Mas não foi fácil, me sentia fora do lugar. O pessoal da fábrica passou a me olhar mal porque agora era do administrativo e o do administrativo idem, porque vinha da fábrica.”

Se vira nos 30

“Estudei em escola pública e não tinha dinheiro pra faculdade, demorei um ano para conseguir o da matrícula e, ainda assim, parte foi emprestada por uma amiga da minha mãe. Naquela época, não tinha FIES, ProUni, não tinha nada. Quem quisesse fazer a faculdade tinha que dar um jeito. E foi o que fiz. Queria ter feito jornalismo, mas acabei na publicidade, porque a mensalidade era mais barata e a faculdade, mais próxima. Juntava o salário de dois meses de trabalho para conseguir pagar um mês de faculdade, porque ajudava em casa também. Vendia torta de frango e bolo pra complementar a renda. Estava sempre devendo, a ponto de ver meu nome num quadro de devedores. Fiquei arrasada muitas vezes, envergonhada. Mas a vida faz a gente superar os obstáculos. Um ano depois de formada, consegui quitar todas as mensalidades.”

Dirigindo meu carro

“Comecei minha carreira na Autolatina, que era a junção da Ford e da Volkswagen na década de 90. Consegui um estágio lá, fazia materiais promocionais, folhetos e, aos poucos, fui crescendo – e passando por muitos perrengues! Quando a joinventure terminou, continuei na Volkswagen, mas, por quatro anos, fui a única mulher executiva na área do marketing. Tinha sempre que provar mais, entregar mais, porque além de mulher, tenho uma origem pobre, não vinha de escola particular ou faculdade de ponta, não falava inglês. Enquanto alguém levava dois, três anos para ser promovido, eu levava o dobro. Foi uma década de esforço até finalmente virar executiva e ter todos aqueles benefícios, bônus, carro da empresa. Mas acabei cansando rápido. Resisti cinco anos no cargo e percebi que o mundo corporativo é insano para quem é idealista e gosta de jogos muito claros. Estava me masculinizando, copiando o modelo masculino que tinha. Minha filha tinha cinco anos e eu trabalhava alucinadamente. Até que em 2007, um ano de muita reflexão, resolvi me demitir. Cansei emocionalmente desta luta.”

Dona dos meus ideais

“Não tinha a mínima ideia do que iria fazer, só sabia que precisava de tempo para repensar a vida. Fiquei oito meses em casa. Nos dois, três primeiros, tive muito medo, afinal, meu salário sustentava grande parte da casa. Passei pelo luto, pela ansiedade, achei que tinha feito besteira. Com o tempo, fui me acalmando, retomando amizades, conversando com as pessoas. Consegui um trabalho na Febraban, mas foi uma experiência bem ruim, estava na fila da adoção da minha segunda filha e quando consegui adotá-la (e ter direito à licença-maternidade) eles não receberam bem a ideia. Fiquei cinco meses apenas. Depois, tentei um negócio próprio, o site Elogieaki, junto com dois amigos que viraram sócios. E aprendi duas coisas: não entendia nada de negócio, apesar da arrogância que a vida corporativa nos dá, e não se faz negócio com amigos. Foram dois anos da minha vida perdidos, porque perdi os amigos e vendemos o site, não cheguei a perder dinheiro, mas também não ganhei. Mas no final foi o melhor MBA que poderia ter feito, fiz todas as coisas erradas possíveis.”

Virada empreendedora

“Em 2010, consegui uma vaga no programa 10.000 Mulheres da FGV/Goldman Sachs, um curso gratuito que ajuda mulheres na gestão dos negócios. O processo seletivo foi tenso, tinha até banca. E das mil inscritas apenas 35 conseguiam uma vaga! Fiquei com aquilo na cabeça, pensando a sorte que tinha em estar lá e, ao mesmo tempo, em quantas mulheres tinham ficado de fora. Então, criei a Rede Mulher Empreendedora, que no começo funcionava mais ou menos como um blog, eu escrevia lá o que estava aprendendo, trocava ideias, dava dicas. Estava no finalzinho do Elogieaki e tinha um espaço de coworking, mas a Rede me mostrou como era isso que me fazia feliz. Só consegui estruturá-la como negócio há 3 anos, nos 4 primeiros não tinha nem CNPJ! Era um coletivo mesmo, uma ajudando a outra. Hoje somos 300 mil empreendedoras unidas.”

Mudando o mundo

“Estamos em um momento de transição, o que mais vejo é confusão dentro das empresas, que ainda têm a mesma dinâmica pós Revolução Industrial e, ao mesmo tempo, querem inovação. Inovar pressupõe errar e dentro de uma empresa você só é premiado pelo acerto. Empreender, ter a mentalidade da startup, aparece nesse cenário como alternativa, mas essa jornada também não é fácil, metade das pessoas desiste no meio do caminho. Além de toda a burocracia que é ter um negócio no Brasil, a gente não tem certeza de nada no começo, não tem salário, décimo terceiro, plano de saúde. Só tem investimento. E as mulheres ainda dobram a carga, porque a maioria tem filhos e cuida também da casa. Persistência é a chave. Um negócio no início exige dedicação, mas como não há rendimento ainda, as mulheres têm que se desdobrar pra dar conta de tudo, pois não podem pagar por ajuda. Por isso, chamo todas elas de heroínas. No fundo, acho que é a vontade de fazer as coisas de forma diferente, de saber que suas ideias podem funcionar, que nos move.”

Ela por elas

“Meu próximo passo é trabalhar mais por políticas públicas, políticas afirmativas que garantam 10% de empresas de serviços lideradas por mulheres, como já existem em outros países. É comprovado que quando as mulheres empreendem elas melhoram não só a vida delas, mas a da comunidade. O impacto é em cascata, pois elas reinvestem o dinheiro na educação dos filhos, por exemplo. Elas querem de fato um mundo melhor, não apenas um salário. E isso é uma característica feminina que finalmente começa a ser valorizada e na qual precisamos investir.”

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