O seguro não vai morrer de velho

Fonte: www.valor.com.br, por Aura Rebelo*, em 18/10/2018

Surge um novo tipo de risco, o cibernético, que representa uma ameaça à integridade de dados e transações.Os primeiros registros de operações de seguros remontam há mais de 2 mil anos, quando comerciantes que navegavam pelo Mediterrâneo cobravam de quem participasse da expedição uma taxa para o rateio dos reparos da embarcação após o percurso. A primeira apólice de seguro de que se tem conhecimento cobre justamente uma operação de transporte marítimo, na Itália, em meados de 1.300.

O matemático, físico e astrônomo francês marquês de Laplace criou na segunda metade do século XVIII a Teoria das Probabilidades, que foi a base teórica mais importante para responder ao desafio de previsão de eventos incertos ou desconhecidos. Assim, nasceu o fundamento do que conhecemos hoje como precificação de riscos.

No Brasil, a seguradora pioneira foi a Companhia de Seguros Boa-Fé, em 1808. Mas, por razões religiosas, o seguro de vida era proibido, pois, incoerentemente, era considerado pecado atribuir valor à vida humana.

Em 1875, John Dryden fundava em Nova Jersey a "The Widows and Orphans Friendly Society", hoje a Prudential Financial, uma das maiores seguradoras do mundo, em operação no Brasil há 20 anos. Dryden acreditava que, por "3 cents" por semana (US$ 0,03), todos poderiam ter uma vida e morte dignas.

Nessa mesma época, no Brasil, os seguros de vida foram liberados e regulamentados. Em 1900, criaram-se regras para a formação de reservas técnicas, normatização de seguradoras e a criação da Superintendência Geral de Seguros, com a missão de autorizar e fiscalizar o mercado.

Os seguros ganham notoriedade mundial durante a Primeira Guerra Mundial, conquistando a confiança da população, em função de eventos como o naufrágio do Titanic, cujo capital segurado era de 1 milhão de libras, e o pagamento do sinistro, feito em menos de 30 dias. Nessa mesma época, o mercado segurador ganhou espaço no Código Civil brasileiro.

Em 1937, surgiu a obrigatoriedade de contratação de apólices para algumas atividades econômicas, quando o governo também instituiu o sistema de resseguros (seguros das seguradoras) por meio da fundação do IRB, que operou em monopólio até a abertura do mercado, mais recentemente.

De lá para cá, muita coisa evoluiu, mas a base do mutualismo, onde muitos pagam pelas ocorrências de sinistros de alguns poucos, continua a mesma. Porém, o mercado segurador está começando a vislumbrar uma transformação radical.

Então, vejamos: em essência, o seguro é um capital colocado para proteção de um risco, que toma como base as informações dos clientes, que contratam os produtos específicos através de canais, recebem seus benefícios e geram retorno para uma seguradora.

Decompondo esse conceito, quando falamos de risco, as transformações demográficas e o aumento da longevidade mudam drasticamente as projeções populacionais relacionadas ao mercado. De outro lado, surge um novo tipo de risco, o cibernético, que representa uma ameaça à integridade de dados e transações. Essas mudanças impactam diretamente a atividade de precificação do seguro.

Para tomar informações como base, o cenário atual precisa incorporar a utilização de análise de dados, comportamento digital, inteligência artificial, big data, chatbots... Tudo para entender e engajar clientes, agilizar a subscrição e antecipar comportamentos. Além disso, a criação de plataformas para compra e pós-venda de serviços e produtos representa uma incrível transformação.

E quanto a clientes? O que eles querem dos seguros? Para começo de conversa, ninguém quer falar sobre o assunto. Mas, segundo pesquisa realizada pela Limra, quando despertados, os clientes querem um seguro que seja fácil de entender e completo. Que possibilite conversar com uma pessoa, mas que ofereça opções digitais. Que o processo seja fácil, mas que permita escolher entre diversos produtos. Isso sem falar de clientes "baby boomers", geração X, millennials, geração Z, alpha e as mulheres "empoderadas".

E sobre produtos? A demanda é por aqueles desenhados sob medida e com flexibilidade para pagamentos. São produtos para novas estruturas, relações familiares e diferentes expectativas e valores individuais. E quando não falamos de pessoas, e sim de empresas, a coisa não está menos complexa: crescem os pequenos negócios, o empreendedorismo, coworking, franquias, holdings, joint ventures.

Passando por canais, a distribuição também está diferente. A comunidade de seguros parou quando o gigante varejista chinês Alibaba ingressou no business de seguros. E agora vem aí a Amazon Seguros.

Quanto às seguradoras, até 2017 foi registrado o aparecimento de 876 insurtechs, as startups do segmento. É muita novidade e alternativas de serviços para todas as etapas dos processos de venda e pós-venda.

Nesse cenário de mudanças radicais e de alta complexidade individual e corporativa, a cultura do seguro ainda precisa ser muito estimulada. Dois mil anos ainda não foram suficientes para introduzir os conceitos de proteção e gerenciamento de riscos, de gestão e sucessão patrimonial. O seguro não vai morrer de velho.

*Aura Rebelo é vice-presidente de marketing e negócios digitais da Prudential do Brasil.